Estudantinas – danças carnavalescas na raia do Baixo Alentejo

O Carnaval, tema milenário do “mundo às avessas”, propicia práticas rituais de inversão que assinalam um tempo de utopia. Por isso, todas as formas e símbolos da linguagem carnavalesca estão impregnados de lirismo e da consciência sobre a relatividade da verdade e do poder. Este tipo de pensamento, disfarçado de forma alegórica, revela uma declaração explicitamente revolucionária, pela crítica e negação da ordem social existente. Até ao 25 de Abril os versos das Estudantinas passavam pelo crivo da censura do Presidente da Câmara (Barrancos) ou do Regedor (Amareleja) e eram cantados pelas ruas das vilas no domingo e na terça-feira gorda. Os versos das Estudantinas, acompanhados de música e teatralizações, falavam do que de bom e de mau foi feito ao longo do ano, e visavam direta ou indiretamente os vizinhos e os representantes do poder. Os autores mais recordados em Barrancos são o “Cumbreño” e o “Lelo”, e na Amareleja o Luís Perico, que “dava uma na caixa, e outra de racha”, como recordam os mais idosos.

Amareleja - Estudantina de 1960

Amareleja – Estudantina de 1960

Como prática carnavalesca as Estudantinas perderam alguma dinâmica em anos fortemente marcados pelos fluxos migratórios. Em Barrancos restam algumas fotografias e versos que ajudam a reconstruir a memória de um tempo de folia, que actualmente não atrai o interesse dos jovens .

Barrancos - Estudantina de 1961

Barrancos – Estudantina de 1961

“Trabalho não nos arranjam /Isto assim não pode ser /Nós temos que trabalhar/Para se queremos comer./ Rapazes tenham paciência / Temos de seguir andando /De noite por essas fragas /Na vida do contrabando” (Barrancos -excerto da Estudantina de 1973).

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Na Amareleja, as Estudantinas mantiveram-se como prática cultural carnavalesca. Em 1992 a Junta de Freguesia promoveu o primeiro concurso de Danças/Estudantinas para “manter a tradição”, que contou com a participação de cinco grupos. No ano seguinte estabeleceu um roteiro pela vila, assinalando os locais de actuação, que actualmente se mantêm. Os grupos são constituídos por familiares e amigos que partilham a mesma visão do mundo, e pretendem manter uma prática cultural herdada dos pais e avós. Quase todos os intervenientes evocam algum familiar com o qual se estrearam nas Estudantinas, e começaram tão jovens como aqueles que integram os grupos da Hortense, do Carlos Prazeres e do Manuel Valente. As competências musicais e vocais dos participantes, aliada à criatividade dos versos, fazem do processo de criação um tempo de convívio e cumplicidade entre os elementos dos grupos. Tudo começa pela escolha do tema musical, ao qual se ajustam os versos, em função das temáticas sociais escolhidas. A rima é particularmente apreciada pelos mais idosos, que ainda não reconhecem nos jovens as qualidades atribuídas ao saudoso Luís Perico. Os temas de crítica social enlaçam as problemáticas locais com a crise global, refletindo uma “visão do mundo” de falsas promessas eleitorais, de alterações de valores e perdas de direitos sociais. A Junta de Freguesia da Amareleja apoia os grupos com 150€, e oferecia um jantar. Mas, em 2014, “nem petiscar…” como diziam os versos da Estudantina do grupo de Carlos Prazeres.
Nos últimos anos, as Estudantinas da Amareleja suscitaram o interesse dos vizinhos da Granja, de Santo Amador, de Moura e de Santo Aleixo da Restauração que desfilam na terça-feira gorda pelas ruas da vila da Amareleja. Todavia, os grupos amarelejenses não se revêm nas performances dos vizinhos, que caracterizam de “folcloristas”, defendendo as suas danças como representativas da tradição local. A concertina, as pandeiretas, as castanholas e as zambombas são os instrumentos estruturantes, aos quais se juntam violas, caixas, bombos ou trompetes, conforme a criatividade de cada agrupamento. Na manhã de terça-feira os grupos da Amareleja percorrem as ruas da vila criando o seu roteiro de actuações, e coincidem no Lar de Idosos, frente à Casa do Povo e SFUMA e no Regato. Na parte da tarde a concentração e actuação de todos os grupos inicia-se junto à Igreja Matriz, seguindo-se o desfile e actuações frente à Junta de Freguesia, nas 4 esquinas e por fim no Regato, para onde converge o público (locais e forasteiros). Em 2014 as Estudantinas denunciavam o desemprego, a emigração dos jovens, o grupo de Carlos Prazeres cantava:

“Estamos de novo, cantando para o povo, este Carnaval / Já não é feriado, está tudo acabado, neste Portugal /As festas acabam, e ainda por cima, muitos emigraram, porque em Portugal, já não há esperança /Se tudo abalar, temos que ir cantar, a dança na França.

Em 2015 a festa começou pela manhã, no lugar dos Barranquinhos, situado no extremo da vila na estrada para Barrancos, e terminou no Regato, o coração da vila alentejana. Os grupos de Estudantinas percorreram as ruas e os vizinhos assomaram-se às janelas e às portas, para partilharem do riso e da crítica social, e alguns contribuem com o que podem para a colecta dos grupos. Ao longo do percurso pelas ruas os grupos são recebidos em casas de amigos e familiares que lhe oferecem comida e bebida. “É a folia que nos chama” dizem uns versos, reafirmando que “a Amareleja tem mais cor quando chega o Carnaval”. Em 2015 saíram cinco grupos da Amareleja: da Hortense Lameiras, do Manuel Estevão, do António Guerra, do Carlos Prazeres e do Mário Valente. A festa atraiu grupos das povoações vizinhas de Santo Amador, Moura, Safara e Granja. A Granja fez-se representar por um grupo feminino e outro masculino, membros dos grupos corais da Casa do Povo. De Safara veio a banda juvenil, e dos Leões de Moura veio um grupo misto de cantadores. Os versos das Estudantinas falaram do desemprego, dos cursos de formação, dos subsídios da União Europeia para “os jovens agricultores”, denunciando as falácias do discurso do poder. O reconhecimento do cante a Património Imaterial da Humanidade foi homenageado por todos os grupos, “depois de 50 anos a cantar”, dizia um cantador. Os versos denunciaram os casos mais mediatizados, como “o caso Sócrates”, “o terrorismo” e a intolerância religiosa, os programas de televisão, como “A casa dos segredos”, assim como os acontecimentos locais que geram polémicas como “o Dia da Mulher” e os conflitos do poder local em torno de um Pavilhão. Como cantava o grupo de António Guerra:

“Muita coisa aconteceu / neste ano que findou, /continuou-se a viver mal, / até aqui nada mudou”.

Cantos populares de Natividade, das Janeiras e dos Reis – na raia do Baixo Alentejo

No reinado de D. João V, mais precisamente em 1716, o costume popular de cantar vilancicos por altura das festas do Natal, dos Reis e da Imaculada Conceição de Maria foi interrompido definitivamente, por motivo da adoção do cerimonial litúrgico romano, objetivo muito ambicionado pelo Rei Magnânimo (Lopes, 2014: 84). (…) Na Capela Real, os primeiros vilancicos a incorporar secções de tipo italiano localizam-se no folheto para a Festa da Imaculada Conceição de 1709, mas é de salientar que estas secções começam a escutar-se em Lisboa quatro anos antes, associadas à Festa de Santa Cecília, comemorada na Igreja Paroquial de Santa Justa (p. 86).

Michel de Certau (1989) diz-nos que no séc. XVIII se apoderou da aristocracia esclarecida “uma espécie de entusiasmo pelo popular”, uma «rusticofilia», como reverso de um medo radicado na cidade “perigosa e geradora de corrupção”, que justifica o regresso a uma “pureza original dos campos, símbolo das virtudes conservadas desde os tempos mais remotos”. No entanto, o camponês já está civilizado pelos costumes e a moral cristã, que produziram “súbditos fiéis, dóceis e laboriosos” (1989: 52). O regresso a um povo ao qual se cortou a palavra para melhor o domesticar, sustenta a idealização do popular sob a forma de um monólogo. A linguagem da religião poderia ser o último recurso de uma cultura que já não se podia exprimir, e que tinha de se calar, ou mascarar, para fazer ouvir uma ordem cultural diferente. Aliás, já que o povo não falava, podia pelo menos cantar, e “o prazer experimentado pela auréola «popular», que cobre melodias inocentes, está precisamente na base de uma concepção elitista da cultura” (1989: 53).
Em Barrancos (Baixo Alentejo), na véspera de Natal, ainda se cantam villancicos de Navidad, do cancioneiro tradicional da Extremadura, acompanhados pela zambomba. Na Extremadura os villancicos são acompanhados por instrumentos de corda, como a bandurra, a guitarra e pelo acordéon. Todavia, na Andalucía, os villancicos e cânticos populares de Navidad são acompanhadas pela zambomba, instrumento de percussão, que em Portugal também é designado por sarronca. Neste vídeo, Manuel Torrado e Maria dos Remédios Guerreiro recordam alguns versos de vilancicos que cantavam frente à igreja, ao calor do lume que arde na Praça.

Zambobita, zambombita
Yo te tengo que romper
A la puerta de mi novia
No quisiste tocar bien.
(…)
Villancicos De Navidad – La Virgen va Caminando
La Virgen va caminando
por una montaña oscura
y al vuelo de una perdiz
se la ha espantado la mula.
(…)

Villancicos De Navidad – Los Peces En El Río
(…)
Pero mira como beben
los peces en el río,
pero mira como beben
por ver al Dios nacido.
Beben y beben y vuelven a beber,
los peces en el río
por ver a Dios nacer.

Em Vila Verde de Ficalho, Michel Giacometti gravou um grupo de homens, na sua maioria trabalhadores rurais, dirigido por Mestre Bento, barbeiro de profissão, cantando a “Moda ao Menino”, do reportório tradicional de Ficalho, um dos mais valiosos temas da música coral alentejana. Michel Giacometti considerava que o Baixo Alentejo era, talvez, das regiões mais pródigas do país em cantares alusivos ao nascimento do Menino, e assinalava: “o homem sul alentejano, por razões a que a sua condição social e económica talvez não seja estranha, canta modas cuja linha severa não impede uma certa ternura ao Menino nascido em «tão pobres agasalhos, que até parece impossível» como dirá um dos nossos amigos de Ficalho”. (“O Povo que canta”, 11.º Programa, emitido a 27 de Dezembro de 1971)

Os trabalhadores rurais sempre entoaram cantos religiosos na quadra pós-natalícia, (Janeiras, Reis), como forma de pedir esmola à porta dos ricos. O canto “Oração das Almas”, interpretado por um grupo de cantadores do grupo coral da Casa do Povo de Santo Aleixo da Restauração, integra-se no repertório dos cantos de Janeiras e Reis registados por Michel Giacometti em 1971. O canto de Janeiras, ou canto de peditório, prática musical encontrada em numerosas povoações rurais de norte a sul do país, era geralmente cantado às portas das pessoas mais abastadas, na noite de 31 de Dezembro. Como recordava o Padre António Marvão (1956), “quem não se lembra ainda, quando criança, ou mesmo depois de grande, de lhe chegarem à porta, de noite, na paz abençoada da lareira grupos de cantadores, às vezes mistos, a cantar os Reis ou as Janeiras!? Que unção espiritual despertavam em nossa alma esses cantos religiosos, elevando o nosso pensamento para o Alto, para o Céu, onde mora a Felicidade e a Paz! No silêncio impressionante da noite fria, o nosso coração enchia-se de compaixão pelos pobrezinhos, que, nas pessoas dos cantadores, eram contemplados com figos, passas, carne de porco, pão e até dinheiro.” (Marvão 1956: 13)

José Patrício, cantador do Grupo Coral Masculino da Casa do Povo da Amareleja (Baixo Alentejo) recorda-nos como cantava os Reis na Amareleja: “Comecei a cantar os Reis tinha aí os meus oito ou dez anos. Andava com um grupo de miúdos da mesma idade, e a gente ia de porta em porta a cantar os Reis para nos darem alguma coisa. Davam-nos umas castanhas, uns marmelos, ou uns dinheiritos que depois a gente repartia por todos. Íamos à casa dos ricos, que esses versos eram dedicados aos ricos, à casa do Dr. Zé, do senhor Eugénio Barreto, do senhor Tonico Luís, do senhor Adolfo, e também íamos àquelas casas mais pobres, davam-nos uns figuinhos e outras coisas assim. Era muito divertido. Hoje já não há esse divertimento como havia antigamente, agora os rapazes já não sabem cantar os Reis” (José Patrício, 71 anos, agricultor).

Na Amareleja, os cantadores do Grupo Coral da Sociedade Recreativa Amarelejense, formado em 2007, por 28 elementos com idades compreendidas entre os 32 e os 80 anos, dirigidos pelo mestre António Castelhano Miguel, ensaiam a “Oração das Almas”, canto que na noite de 5 para 6 de Janeiro de 2015 entoaram pelas ruas da vila.

À porta de uma Alma Santa
Bate um Deus, a toda a hora
Alma Santa, respondeu
Ó meu Deus, que quereis agora?
Quero-te a ti, Alma Santa
Lá para, o Reino da Glória.

Fontes bibliográficas:
“Vilancicos que se cantaram na Paroquial de Santa Justa nas matinas e festa da Santa Cecília, 1705”, em: http://purl.pt/…/424812_PD…/424812_0000_1-24_t24-C-R0150.pdf

Certeau, Michel de & Julia, Dominique (1989) “A beleza do morto: o conceito de «cultura popular». In A Invenção da Sociedade, Lisboa: Difel pp.49-59.

Lopes, Rui Cabral (2014) “O Villancico no reinado de D. João V: Entre a persistência do costume e a mudança de paradigmas litúrgico-musicais”. Artigo completo disponível em: http://rpm-ns.pt/index.php/rpm/article/view/27/27

Marvão, António, 1956, O Alentejo Canta. Conferência proferida no Salão Nobre da Câmara Municipal de Beja, no dia 17 de Junho de 1956, Braga, Editorial Franciscana.

Revel, Jacques (1989) A Invenção da Sociedade, Lisboa: Difel.

Internet:
Jacinto Saramago reuniu algumas cantigas de Navidad para zambomba que podem ser consultadas aqui: http://estadodebarrancos.blogspot.pt/…/cantigas-do-natal-ba…

“Para buscar al duende no hay mapa” – imaginários do flamenco na raia do Baixo Alentejo

A partir da década de 90 assistimos a contínuas inflexões na difusão, reconhecimento e internacionalização do flamenco, com sucessivas modas, estilismos e tendências, que se incluem nas designadas “músicas étnicas”, ou na World Music (Cruces Roldán 2012, 262). Por outro lado, o estudo do flamenco consolidou-se na academia, adquire representatividade nas indústrias discográficas e cinematográficas, nas artes do espectáculo, em festivais, na moda e em publicações. Nas últimas décadas, os recursos públicos converteram-se em canais de divulgação comercial e institucional, com subvenções à investigação, à patrimonialização e ao ensino oficial. Em 2010 o flamenco foi declarado Património Cultural Imaterial da Humanidade, com o apoio de 30.000 pessoas e de 60 países, depois de uma candidatura falhada em 2005. Neste contexto, as escolas de flamenco, de iniciativa oficial ou particular, emergem, como afirmação de uma cultura identitária andaluza, autenticada como Património Imaterial da Humanidade em 2010. O flamenco está presente, mesclado com outros tipos de formas mais folclóricas, como as sevillhanas, em múltiplas festas populares da Andaluzia, em festividades religiosas, feiras de gado e romarias, lugares de encontro de música e baile, como referente identitário da Andaluzia (Agudo & Isidoro 2012).
As populações raianas do Baixo Alentejo partilharam, ao longo do tempo, as sonoridades e a estética performativa do canto e do baile, nas romarias das povoações vizinhas, ou em espaços de sociabilidade e encontros familiares. Na actualidade, o flamenco atrai as gerações mais jovens, que pouco se identificam com o cante alentejano, originando uma diversidade de grupos e de experiências musicais, como o grupo de flamenco “Los Cuatro Vientos”, formado em Moura em Janeiro de 2012, por um grupo de amigos.

No entanto, são os grupos de baile que têm mais expressão e visibilidade, pela rede de ensino e partilha de imaginários musicais que cruzam a fronteira do Baixo Alentejo. Em Barrancos, a prática do flamenco inicia-se em 2001, quando a vereadora da Câmara Municipal de Barrancos contrata a professora e bailarina Ana Castilla para ensinar um grupo de jovens interessadas em aperfeiçoar as técnicas do baile. Ana Castilla nasceu em Cortegana (Huelva) em 1972, formou-se como professora em Sevilla, Huelva y Cadiz e regressou a Cortegana para ensinar a arte. No flamenco encontrou um sentido para a vida, e ao longo dos anos formou grupos de baile em povoações da Sierra de Aracena e Picos de Aroche. Na sequência do trabalho desenvolvido em Barrancos nasce o grupo “Alma Raiana”, apadrinhado pela vereadora da cultura, e é criada a Escola Municipal de Baile. O grupo “Alma Raiana”, com as actuações em festas locais e regionais, despertou o interesse de associações e grupos informais nas localidades raianas de Mourão, Santo Aleixo da Restauração, Serpa, Amareleja e Póvoa de São Miguel.

Para além da rede de ensino Ana Castilla promove iniciativas de fruição local, envolvendo alunos, familiares e membros das comunidades na organização de eventos, como a “Noche Flamenca”. A primeira “Noche Flamenca” realizou-se em Setembro de 2001, em Barrancos, por iniciativa de Ana Castilla e do grupo de baile “Alma Raiana”, com o apoio da Câmara Municipal de Barrancos. O evento assinalava o início da Escola Municipal de Baile, que tem actualmente três grupos: “Zapatito de Tacón”, “Rumbo Flamenco” e as “Flamenguitas”.

Rumbo Flamenco

Zapatito de Tacón

Flamenguitas com Ana Castilla

A 2 de Fevereiro de 2013 foi criado o grupo de baile “Pasión Flamenca” na Amareleja, afirmando a paixão dos seus elementos pela arte do flamenco. O grupo é constituído por treze jovens (doze do género feminino e um do género masculino), naturais da Amareleja, com idades compreendidas entre os 10 e os 25 anos de idade, na maioria estudantes. Alguns dos elementos participaram, em crianças, no primeiro grupo de baile que Ana Castilla dirigiu na Amareleja, em 2003, dependente do financiamento da Junta de Freguesia. A reabilitação da actividade deve-se à acção de um grupo informal, “patrocinado” por familiares e amigos, com o apoio logístico da Associação Cultural e Artística – 4 Esquinas e da Junta de Freguesia de Amareleja. A continuidade do grupo está alicerçada nas relações de amizade que nutrem pela professora. Em Agosto de 2013 assisti à primeira “Noche Flamenca”, organizada pelo grupo da Amareleja, na qual participaram os grupos de baile de Barrancos, de Póvoa de São Miguel (Moura), da Musibéria (Serpa) e de Los Romeros (Huelva).

Ana Castilla com o grupo de baile Pasión Flamenca

Ana Castilla com o grupo de baile Pasión Flamenca

Em Fevereiro de 2013, na Póvoa de São Miguel (Moura) nasceu o grupo de baile “A Mi Manera”, por iniciativa de Isa Caeiro e Sara Rodrigues que encontraram o apoio de amigas e familiares. Ana Castilla foi a professora escolhida para diretora artística, pela experiência, dinâmica e trabalho desenvolvido com os grupos de baile vizinhos. O investimento em guarda-roupa e ensino é suportado pelos elementos do grupo, com o apoio da Junta de Freguesia para o transporte da professora. O grupo é composto por vinte e oito jovens (vinte e sete do género feminino e um do género masculino), com idades compreendidas entre os 6 e os 34 anos de idade. Na sua maioria são estudantes, e naturais de Póvoa de São Miguel. Em 2013 o grupo estreou-se na “Noche Flamenca” de Barrancos, participou na “Noche Flamenca” da Amareleja, e organizou a primeira “Noche Flamenca” em Póvoa de S. Miguel, a 6 de Setembro do mesmo ano.

A 2 de Agosto de 2014 acompanhei a realização da 14ª edição da “Noche Flamenca” em Barrancos, que teve a participação de grupos de baile de diversas gerações de bailarinas, com diferentes níveis de aprendizagem e diversos estilos performativos. Perante uma assistência de cerca de 900 pessoas actuaram mais de 100 bailarinas(os) dos grupos: “Flamenguitas” (Barrancos), Escuela de Baile de Encinasola (Encinasola), Arte & Compás (Santo Aleixo da Restauração), Al Compás del Camino (Granja), Rumbo Flamenco (Barrancos), A Mi Manera (Póvoa de São Miguel), Rosales (Rosal de la Frontera), Buleria (Valencia del Mombuey – Extremadura), Pasión Flamenca (Amareleja), Zapatito de Tacón (Barrancos), para além do grupo de flamenco Val de Reales (Barrancos). No final do espectáculo, a vereadora da Câmara Municipal de Barrancos, madrinha do grupo “Rumbo Flamenco”, reiterou o apoio a uma prática cultural que representa um referente identitário dos barranquenhos.

Isabel Sabino, vereadora da cultura, com Ana Castilla e o grupo de baile Rumbo Flamenco

Isabel Sabino, vereadora da cultura, com Ana Castilla e o grupo de baile Rumbo Flamenco

A 27 de Agosto de 2014 assisti à 1ª Noite Flamenca de Santo Aleixo da Restauração (Moura – Baixo Alentejo), organizada pelo grupo de baile local, Arte y Compás, com a colaboração da professora Ana Castilla, no âmbito da rede de ensino e dinamização do flamenco. O grupo Arte y Compás foi formado em Fevereiro de 2014 por nove elementos do género feminino, com idades compreendidas entre os 17 e os 32 anos. Mas, a primeira experiência de ensino de baile em Santo Aleixo remonta a 2003, quando a presidente da Junta de Freguesia convidou Ana Castilla a iniciar um projecto idêntico ao que desenvolvia em Barrancos. As aulas começaram com um grupo de diferentes faixas etárias, que não teve continuidade. No entanto, o interesse das mais jovens permaneceu latente, e veio a concretizar-se com a criação do grupo de baile Arte y Compás, coordenado por Helena Chamorro. Na abertura do espectáculo, Helena agradeceu ao grupo musical “Os Restauradores” a cedência do espaço da associação para as aulas de dança, assim como o apoio da União das Freguesia de Safara e Stª Aleixo da Restauração, da Câmara Municipal de Moura e da Comissão de Festas de Santo António 2014-2015. Participaram no espectáculo os grupos de baile “Rumbo Flamenco” (Barrancos), “Sueño Romereño “ (Los Romeros-Huelva), “A Mi Manera” (Póvoa de São Miguel -Moura), “Pasión Flamenca” (Amareleja – Moura) e “Arte y Compás” (Santo Aleixo) dirigidos por Ana Castilla, e ainda os grupos: “Rosales” (Rosal de la Frontera-Huelva) e Escola de Baile de Safara (Safara-Moura) dirigidos por antigas alunas de Ana Castilla. O evento reuniu cerca de 500 pessoas, entre familiares, amigos e vizinhos, e encerrou com a actuação do grupo de flamenco “Rocío Lojita”, de Rosal de la Frontera.

1º Noche Flamenca Stº Aleixo

Ana Castilla transformou-se numa “regionauta” (Löfgren 2008), que cruza a fronteira luso-espanhola a partir de Cortegana, para dinamizar uma rede de ensino na qual investiu a sua experiência, e através da qual ampliou a sua influência. Os caminhos da “regionauta” disseminam-se entre os imaginários do flamenco e as oportunidades de ensino, numa logística cultural de cruzamento da fronteira atractiva e familiar. O trabalho desenvolvido desde 1988, permite-nos cartografar uma rede de relações musicais que estabelece conexões entre as povoações raianas do Baixo Alentejo, Extremadura e Andaluzia.

mapa de sevilhanas

As conexões geográficas traçadas por Ana Castilla e pelos grupos de baile, trespassam fronteiras, criam dinâmicas culturais e incorporam o “duende”, que no imaginário do flamenco está para além da técnica e da inspiração. Parafraseando Frederico Garcia Lorca “para buscar al duende no hay mapa ni ejercicio”.

Ana Castilla com grupo de baile Zapatito de Tacón

Ana Castilla com grupo de baile Zapatito de Tacón

 

Referências bibiográficas:
Agudo, Juan & Moreno, Isidoro. 2012. Expresiones Culturales Andaluzas. Sevilla: Aconcagua Libros.
Cruces Roldán, Cristina. 2012. “El Flamenco”, in Agudo, Juan & Moreno, Isidoro (coord.) Expresiones Culturales Andaluzas. Sevilla: Aconcagua Libros, 219-281.
Löfgren, O. 2008. “Regionauts: The transformation of cross-border regions in Scandinavia”. European Urban and Regional Studies, 15 (3), 195-209.
Steingress, Gerhard. 2002. “El flamenco como patrimonio cultural o una construcción artificial más de la identidad andaluza”. Anduli: Revista Andaluza de Ciencias Sociales, 1: 43-64.

Os tamborileiros do Baixo Alentejo – memórias e práticas da cultura

As fontes históricas mostram-nos a presença do tamborileiro, desde a Idade Média, em contextos festivos e cerimoniais. No Baixo Alentejo, as funções do tamborileiro estão vinculadas às festas patronais e aos peditórios. No entanto, a partir da segunda metade do século XX, a prática musical do tamborileiro sofreu um significativo decréscimo quantitativo e qualitativo, comparativamente a décadas anteriores. Na revista A Tradição (1899-1900) (http://www.archive.org/stream/tradio12lisbuoft#page/n7/mode/2up) encontramos artigos de Dias Nunes e A. de Mello Breyner dedicados ao tamborileiro, designando-o como “o homem que toca tamboril e gaita em todas as festas religiosas de arraial (cirios)” (1982: 71-72). A diversidade do repertório, associado aos peditórios, às procissões e às danças nos arraiais, mereceu a transcrição para partitura do músico e compositor Manuel de Jesus Gentil-Homem Valladas.

Partituras e foto de um tamborileiro publicadas na revista “A Tradição”, vol. II, 1900

Partituras e foto de um tamborileiro publicadas na revista “A Tradição”, vol. II, 1900

Em Portugal, o conjunto é encontrado nas Terras de Miranda, Trás-os-Montes, e na raia do Baixo Alentejo. No Alentejo a flauta do tamborileiro tem três furos e subordina-se aos princípios acústicos comuns a instrumentos idênticos, usados na Europa na Idade Média. Anthony Baines (1957) em Woodwind Instruments and their History diz-nos que “as notas fundamentais da flauta de tamborileiro podem-se tocar, mas não são muito usadas. A escala começa uma oitava acima, com o 2.º harmónico e continua, por intensidade de sopro, pelo 3.º, 4.º e 5.º harmónicos e mesmo mais. Neste instrumento, o intervalo maior entre dois registos é de uma quinta, o 2.º para o 3.º harmónico, pelo que os três furos são suficientes para se conseguir as notas necessárias para fazer uma escala” (consultável em: https://ia600506.us.archive.org/13/items/woodwindinstrume000787mbp/woodwindinstrume000787mbp.pdf)
Os instrumentos portugueses assemelham-se aos utilizados no outro lado da fronteira.  O tambor alentejano possui grandes dimensões como as de seus vizinhos, e tanto o pito rociero (Andaluzia) como a gaita alentejana costumam utilizar chifre na cabeça da flauta, revestindo o bico e o bisel, assim como cinzelados que emolduram os dois furos superiores do instrumento.

Félix, tamborileiro de Almonaster la Real (Huelva)

Félix, tamborileiro de Almonaster la Real (Huelva)

João Caçador, tamborileiro de Barrancos (baixo Alentejo)

João Caçador, tamborileiro de Barrancos (Baixo Alentejo)

Na década de 60, Ernesto Veiga de Oliveira Oliveira descreve as funções e práticas musicais do tamborileiro de Barrancos, nas festas de Santa Maria; em Santo Aleixo da Restauração, nas festas de Santo António e da Tomina; e em Vila Verde do Ficalho, na festa de Nossa Senhora das Pazes. Actualmente os tamborileiros acompanham os peditórios, percorrendo todas as casas, com os festeiros, que transportam o guião, e com o fogueteiro. O tamborileiro de Santo Aleixo ainda participa nas procissões de Santo António e na Nossa Senhora das Necessidades, encabeçando o cortejo. Os mais idosos recordam o tamborileiro como “o mestre-de-cerimónias”, que era consultado pelos festeiros por conhecer todas as fases do processo ritual, assim como os percursos pelas ruas das vilas.  Pelos temas gravados, no Arquivo Sonoro de Ernesto Veiga de Oliveira, que serviu de base à obra Instrumentos Musicais Populares Portugueses, os tamborileiros da década de 60 também tocavam a Alvorada na madrugada dos dias de festa (que foi substituída por bandas filarmónicas), e tocavam fandangos e corridinhos nos bailes dos arraiais. Como os temas executados por Romão Estradas, gravados em 1961, na Festa da Senhora das Pazes, em Vila Verde de Ficalho

Na década de 70 Michel Giacometti dedica o 6º episódio da série documental “O Povo que Canta” (emitido a 18 de Outubro de 1971) aos tamborileiros do Baixo Alentejo. O sexto episódio é um tributo a Ernesto Veiga de Oliveira, e foi realizado na zona fronteiriça dos concelhos de Serpa, Moura e Barrancos. Para o documentário foram gravados três tamborileiros (dois em Serpa e um Barrancos) e resgatado o som de um registo de Michel Giacometti, de 1965, em Santo Aleixo da Restauração, com o tamborileiro António Oliveira Lopes (1915-1984), conhecido por “Guinapo”. Giacometti entrevista o tamborileiro Bento José Romeu, de 65 anos, natural de Aldeia Nova de São Bento, vaqueiro no Monte de Belmeque (Vale de Vargos), que foi tamborileiro na Aldeia Nova de São Bento até à década de 50. Este tamborileiro, para além de acompanhar os cerimoniais religiosos tocava em festas, ditas profanas, como os bailes de Entrudo.

Em Barrancos o tamborileiro é designado por “Bibo” e a sua função está reduzida ao Peditório no dia de Santa Maria. Na tarde do dia 14 de Agosto percorre as ruas principais da vila anunciando com o seu toque o peditório que vai decorrer no dia seguinte. Ao longo do tempo o tamborileiro de Barrancos foi visitado e revisitado por antropólogos e etnomusicólogos. Em 1961, Ernesto Veiga de Oliveira gravou e fotografou o tamborileiro António Torrado. Nas fotos, publicadas na obra Instrumentos Musicais Populares Portugueses, o tamborileiro António Torrado estava acompanhado pelos Festeiros: António Marques, Carlos Durão, Carlos Ramos Nazaré, Domingos Fernandes Bossa e Manuel Venegas Gala (2000: 128-129). As gravações recolhidas fazem parte do Arquivo Sonoro que serviu de base ao livro, e foram convertidas para MP3 por Domingos Morais. No Arquivo Sonoro encontramos dois temas de António Torrado:

“Vivo da festa de Santa Maria, Alvorada”: http://natura.di.uminho.pt/ARQEVO/d1/evo017.mp3
“Toque da Procissão”:http://natura.di.uminho.pt/ARQEVO/d1/evo018.mp3

Em 2014, João Caçador (Beja,1999), músico na Banda Filarmónica Fim de Século de Barrancos, retomou o ritual do peditório, executando o toque: “Vivo da festa de Santa Maria” pelas ruas da vila. Em 2007 aprendeu a tocar flauta e tambor com Marco Cardoso, que por sua vez herdou a arte do tamborileiro José Ramón, já falecido. José Ramon foi gravado por Michel Giacometti para o documentário “Os tamborileiros do Baixo Alentejo”, que já referimos. No dia 15 de Agosto de 2014, do nascer ao pôr-do-sol acompanhámos e gravámos o tamborileiro João Caçador e os festeiros Alexandre Baleizão, Hélder Segão, Manuel Cortegano, Manuel Veríssimo e Sérgio Segão, que levaram o guião de Nossa Senhora da Conceição de casa em casa, recolhendo as dádivas dos barranquenhos.

Em Santo Aleixo da Restauração o tamborileiro está associado às festividades de Santo António e da Tomina, assim como aos peditórios de Santo António e Santa Maria, com uma função cerimonial que perdeu ao longo do tempo a sua componente musical. António Maria Cuco (1901-1976) foi o primeiro tamborileiro a ser gravado e fotografado por Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira: “Recordo a visita à casa do tamborileiro António Maria Cuco, de Santo Aleixo da Restauração, a sua extrema modéstia e esmero, de uma só divisão, com chão de xisto límpido e paredes contrastantes na brancura da cal, a cozinha na superação rara dos sinais do fogo, a um dos lados e, no oposto, a cama num arranjo de dia festivo. Neste cenário da maior simplicidade destacava-se uma pequena arca de pinho que o António Maria abriu pondo a descoberto a dignidade da sua pobreza, o cheiro das ervas que perfumavam as roupas e, num escaninho, como um bem precioso, o pífaro que agora integra esta colecção.” (Benjamim Pereira, em Instrumentos Musicais Populares Portugueses). O “Toque do tamborileiro” executado por António Maria Cuco faz parte da colecção dos Arquivos Sonoros: http://natura.di.uminho.pt/ARQEVO/d1/evo240.mp3
Na festa da Tomina de 2014 foi António Grilo (Santo Aleixo da Restauração 1975), neto de António Maria Cuco e filho do tamborileiro Joaquim Grilo (o Ficalheiro) que desempenhou, pela primeira vez, a função de tamborileiro, para manter a continuidade do ritual. Contudo, na memória dos mais idosos permanece o “toque do tamborileiro” do seu avô.

O tamborileiro em Vila Verde de Ficalho perdeu algumas funções rituais, apesar de acompanhar o guião da Nossa Senhora das Pazes e S. Jorge no peditório para a Festa, a 15 de Agosto, e no agradecimento dos Santos à população, assinalando o início das festividades no fim-de-semana de Pascoela. O tamborileiro de 2014 foi o festeiro Francisco Galhoz (Santo Aleixo da Restauração, 1969), barbeiro de profissão e cantador no Grupo Coral “Os Arraianos de Ficalho”. Na infância acompanhava o ritual do tamborileiro de Santo Aleixo, que incorporou como prática musical e performativa.  Como membro de diversas comissões de festas assumiu a função de tamborileiro, de improviso, realizando um sonho de criança. Mas, os mais idosos recordam os atributos dos antigos tamborileiros, e não reconhecem qualidades nos jovens que asseguram a continuidade de uma prática ritual com significado.

O património sonoro e musical registado por Ernesto Veiga de Oliveira e Michel Giacometti está práticamente extinto no Baixo Alentejo. Em Trás-os-Montes, nas Terras de Miranda, o duo flauta e tamboril vai ser padronizado. Segundo os agentes culturais envolvidos, o processo de “padronização” vai permitir a sua divulgação e utilização por novos músicos, para que esta prática musical, “ligada à pastorícia transmontana não se perca”: http://www.publico.pt/local-porto/jornal/flauta-e-tamboril-nordestinos-vao-ser-padronizados-27596891

Os processos de padronização de instrumentos tradicionais, ou de patrimonialização de práticas culturais, estão directamente relacionados com o movimento de revivificação da música de matriz rural, iniciado na década de 90 por agentes urbanos que reivindicam valores populares. Josep Martí (1996) designou este fenómeno sociocultural de “folklorismo”, de instrumentalização da tradição, considerando as suas finalidades basicamente de tipo estético, ideológico e comercial (Martí 1996: 19). Nas povoações raianas do Baixo Alentejo o tamborileiro permanece, inserido em contextos festivos e cerimoniais com sentido e significado para as populações locais. No entanto, à excepção do tamborileiro de Barrancos, que reproduz o toque “vivo da festa de Santa Maria” transmitido de geração em geração, os tamborileiros observados em Santo Aleixo da Restauração e em Vila Verde de Ficalho representam uma figura simbólica, que permanece na memória colectiva como herança cultural das populações raianas.

João Caçador, tamborileiro de Barrancos, 2014.

João Caçador, tamborileiro de Barrancos, 2014.

 

Francisco Galhoz, tamborileiro de Vila Verde de Ficalho, 2014.

Francisco Galhoz, tamborileiro de Vila Verde de Ficalho, 2014.

 

Francisco Galhoz, tamborileiro de Vila Verde de Ficalho, 2014

António Grilo, tamborileiro de Santo Aleixo da Restauração, 2014.

 

Os tamborileiros da Serra de Huelva (Andaluzia)

As referências mais antigas de um duo instrumental, composto por uma flauta e um tambor, datam do início do século XIII, segundo o estudo de Jeremy Montagu (1997). A ausência de paralelismos com qualquer modelo oriental, numa época marcada pela chegada de instrumentos árabes à Europa, sustenta a hipótese de uma invenção europeia. Os dados disponíveis mostram um surgimento, sem qualquer anterioridade ou desenvolvimento prévio, indicando que o tamborileiro alcançou popularidade em muitos lugares do continente europeu. A iconografia comprova a sua presença na Inglaterra, Península Ibérica, França e Flandres durante o séc. XIII. Outros autores, como Dorota Popławska (1998) apontam para a existência de tamborileiros em Itália, durante o final do século XIII, e na Alemanha, Dinamarca, Suécia e Baixa Silésia (actual Polónia) desde a segunda metade do século XV. Os tamborileiros eram músicos itinerantes, e o aparecimento de testemunhos iconográficos em várias partes da Europa Ocidental no início do século XIII, pode refletir a mobilidade dos executantes, e não a difusão dos instrumentos em diferentes locais, como propõe Montagu (1997). Uma das fontes iconográficas mais antigas, representando um tamborileiro, encontra-se na Catedral de Exeter, na Inglaterra, datado de 1240. Todavia, encontramos na Península Ibérica uma das representações mais importantes nas iluminuras do manuscrito das Cantigas de Santa Maria, um conjunto de quatrocentas e vinte e sete composições em galaico-português, atribuídas ao poeta e trovador galego Airas Nunes, e a Afonso X, o Sábio, durante o seu reinado (1221-1284).

Cantigas de Santa Maria, Espanha, 1260

O conjunto flauta e tambor forma parte da tradição musical de alguns países da Europa e América, com particular incidência na Península Ibérica, na região da Provença e na Inglaterra, onde reapareceu vinculado à recuperação de tradições folclóricas, fenómeno que também ocorreu nos Estados Unidos e Canadá. Na América Latina, o duo está inserido nas tradições musicais dos povos indígenas e mestiços, e pode ser encontrado no México, Peru, Equador, Bolívia, Brasil, e no noroeste argentino pelo menos até o final da década de 40, do século XX, (Hernandez Di Giorgi 2010: 18). A revalorização da flauta e tamboril enquadra-se no processo de revivificação da música de matriz rural, iniciado nos finais da década de 80, do séc. XX, por musicólogos, etnomusicólogos, estudiosos locais e músicos. Num fenómeno comparável à revitalização da gaita-de-foles na Península Ibérica, implicando o estudo, a padronização do instrumento e redes de ensino, que envolvem  investigadores, músicos, artesões e agentes culturais. A criação de associações, como a Asociación de tamborileros “Santiago Béjar” na Extremadura, os eventos como The International Pipe and Tabor Festival, em Gloucester, os sites, blogs e publicações que encontramos na internet mostram o interesse que a flauta e tamboril tem suscitado nas últimas décadas. A obra La Gaita y el Tamboril, de Alberto Jambrina e José Ramón Cid Cebrián (Diputación de Salamanca, 1989) e a obra Santiago Béjar. El hijo del tamborilero, coordenada pela Professora Pilar Barrios da Universidad de Extremadura, publicada pelo Ayuntamiento de Plasencia e Asociación de tamborileros “Santiago Béjar” em 2011 (http://descargas.nuestramusica.es/santiago_bejar.pdf), exemplificam os estudos e as dinâmicas musicais em Zamora e na Extremadura. Camilo Hernandez Di Giorgi (2010) diz-nos que a diferença entre os tamborileiros zamoranos ou estremeños reside menos no feitio dos instrumentos, do que no repertório, ou na técnica utilizada. A flauta tocada na região serrana e ao sul da província de Badajoz é um instrumento de maiores dimensões, com som mais grave e frequentemente apelidado de pito serrano. A flauta tocada no sul de Huelva e em Sevilha, o pito rociero, é em geral pequena e de som agudo. Em Portugal, o conjunto é encontrado na zona fronteiriça de Terras de Miranda (Trás-os-Montes) e no Baixo Alentejo, na margem esquerda do Guadiana. A flauta é chamada de pífaro, pífano, flauta, flaita ou fraita, esta última designação principalmente nas Terras de Miranda. No Alentejo, o termo mais utilizado nas fontes escritas e documentos é gaita. O tambor é chamado invariavelmente de tamboril.  Os instrumentos encontrados em Miranda do Douro são semelhantes aos encontrados na província vizinha de Zamora, assim como os do Alentejo guardam semelhanças com os de Huelva (Andaluzia), e com os de Badajoz (Estremadura). mostrando que a cultura expressiva ignora os limites político-administrativos dos estados. Na Andaluzia, nas comarcas de Andévalo e El Condado, província de Huelva, e na comarca de Aljarafe, província de Sevilla, a flauta é conhecida como gaita rociera, ou pito rociero, vinculando-se às romarias religiosas (Hernandez Di Giorgi 2010: 20).

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O conjunto flauta e tambor está ligado principalmente a eventos religiosos e a alguns eventos lúdicos. Na região ao sul de Badajoz e no norte serrano de Huelva, o tamborileiro está vinculado às festas das municipalidades, destacando-se nas diversas danças da região serrana: as lanzas (danças lúdico/religiosas), de Hinojales, e as diversas danzas de palos ou espadas, enquanto nas outras partes de Huelva e Sevilha, o conjunto está estreitamente ligado às romarias e festas religiosas (Hernandez Di Giorgi 2010: 22). O grupo de tamborileiros “Los Bravos”, naturais de El Cerro de Andévalo, foi o primeiro grupo que registámos, durante os rituais religiosos e lúdicos da Romería de San Isidro El Labrador (Rosal de la Frontera).

A romaria do Rocío contribuiu para popularizar o tamborileiro na província de Huelva, e permitiu implementar escolas de tamborileros afetos a diversas Hernandades, criando um repertório de fandangos e sevillanas que podemos ouvir em quase todas as romarias. No trabalho de campo desenvolvido nas romarias de Rosal de la Frontera, Aroche e Cortegana demos conta desta realidade, e inquirimos alguns tamborileiros sobre o uso de um repertório vinculado à romaria de Rocío. A resposta fundamenta-se na diversidade do repertório de sevillanas, e no desconhecimento que as novas gerações de tamborileiros têm de temas tradicionais, como a “Jotilla de Aroche”, que Antonio Rodríguez, professor da escola de tamborileiros de Rocío, interpretou, no contexto da nossa conversa.

A utilização de um repertório vinculado à romaria de Rocío também se relaciona com a interação dos músicos com um público apreciador de sevillanas divulgadas na rádio, televisão e indústria discográfica, que facilmente reconhecem e cantam. Na romaria de San Mamés, em Aroche, no final da missa romera, o grupo de flamenco “Resolana” (de Huelva) cantou “Salve Rociera”, sevillana dedicada à Virgen de Rocío, a pedido de membros da Hernandad e do público presente. Também na Romería de San Antonio, em Cortegana, fui surpreendida pelos tamborileros Félix y Samuel, naturais de Almonaster la Real, quando interpretaram o mesmo tema, na saída da Romaria.

Nas romarias de Rosal de la Frontera, Aroche e Cortegana, os tamborileiros tocaram uma série de toques próprios das peregrinações, como o toque de la diana, o toque del camino e o del romerito, inseridos no ritual religioso. Para além dos toques cerimoniais tocam fandangos e sevillanas para acompanhar os bailes durante os descansos do camino, ou animar grupos que os convidam para as suas casetas. Na romaria de San Mamés surpreendi Juan Mozo Diáz, tamborileiro de Aroche, interpretando um conjunto de temas com funções religiosas e lúdicas.

Em Cortegana, também foi possível ouvir e gravar as músicas dos tamborileiros Félix e do seu aluno Samuel, de Almonaster la Real, executadas num  contexto lúdico de interação social e musical, entre as quais a sevillana “Blanca y Azul” de Huelva.

BLANCA Y AZUL (sevillana)
Blanca y azul, Blanca y azul,
blanca y azul
es la bandera de Huelva
blanca y azul
es la bandera de Huelva
blanca y azul.

Blanca y azul
es el color del vestido
que llevas tu
es el color del vestido
que llevas tu.

ESTRIBILLO
Los dos colores los llevo
en mi corazón metió
en mi corazón metió
y en la cinta del sombrero
a la Virgen del Roció.
(…)

 

Referência bibliográficas:
Hernandez Di Giorgi, Camilo. 2010. A banda de um homem só: Estudo organológico da flauta e tambor. Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de mestre em Música. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000784011&fd=y

Montagu, Jeremy. 1997. “Significación del conjunto flauta y tamboril”. Txistulari, nº 172, oct. Disponível em: http://www.txistulari.com/contenidos/musikologia/montagu.htm

Poplawska, Dorota. “The Representation of Music Instruments in Stone Sculpture in Lower Silesia Until the Beginning of the 16th Century”. Polish Music Journal, Winter 1998. ISSN 1521 – 6039. Disponível em: http://www.usc.edu/dept/polish_music/PMJ/issue/1.2.98/poplawska.html

Fontes Internet:
El Tamborilero (Web de Juanma Sánchez). Consultável: http://www.tamborileros.com
The Taborers Society (Web-Site). Consultável em: http://pipeandtaborfestival.wordpress.com/
Asociación Cultural de Tamborileros Norte de Extremadura Santiago Béjar. Consultável em: http://www.tamborileros.net/index.htm
Pasado, Presente y Futuro de la Faluta y el Tamboril en Castilla y Léon”. Consultável en: http://musicatradicional.net/pasado-presente-y-futuro-de-la-flauta-y-el-tamboril-en-castilla-y-leon/
“La vida y al habla en la gaita y el tamboril Salmantino” (Valladoli). Consultável em http://www.funjdiaz.net/folklore/07ficha.php?ID=338
“Santiago Béjar. El hijo del tamborilero”. Consultável em: http://descargas.nuestramusica.es/santiago_bejar.pdf
Iniciación a la práctica instrumental. Consultável em: http://www.tamborileros.com/pdf/tamboril%20y%20flauta%20-%20iniciacion%20a%20la%20practica%20instrumental.pdf
“El tamborilero. Hablan la flauta y el tamboril”. Consultável em: http://www.vivirextremadura.es/el-tamborilero-hablan-la-flauta-y-el-tamboril/
“La Flauta y tamboril en el noreste de Portugal” (Gwilym Davies, 2010). Consultável em: http://www.pipeandtabor.org/the-pipe-and-tabor/pipe-and-tabor-worldwide/pipe-and-tabor-traditions-in-ne-portugal/la-flauta-y-tamboril-en-el-noreste-de-portugal/
Arquivo Sonoro Ernesto Veiga de Oliveira (1961). Consultável em: http://alfarrabio.di.uminho.pt/arqevo/
“Os tamborileiros do Baixo Alentejo” – série documental: O Povo que Canta 6.º programa. Consultável em: http://www.michelgiacometti.com/pdf/volume_2.pdf
Projecto Tocar de Ouvido promovido pela Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-foles em 2007 (tamborileiros). Consultável em: http://www.gaitadefoles.pt/tocardeouvido/2007/flautatamborileiro.htm
“Flauta e tamboril nordestinos vão ser padronizados” (Dez. 2013). Consultável em: http://www.publico.pt/local-porto/jornal/flauta-e-tamboril-nordestinos-vao-ser-padronizados-27596891
“Al son de la Escuela de Tamborileros”. Consultável em: http://www.huelvainformacion.es/article/huelva/1454384/son/la/escuela/tamborileros.html
Hermandad de Huelva (Músicas). Consultável em: http://www.hermandaddehuelva.com/?page_id=1066

“I Encuentro de Tamborileros de la Hermandad del Rocío de Huelva”. Consultável em: http://www.rocio.com/index.php?contenido=2765
Escuela de Tamborileros “Hermandad de Ntra. Sra. del Rocío de Dos Hermanas”. Consultável em: http://www.rociodoshermanas.es/index.php?option=com_content&view=article&id=242%3Aescuela-de-tamborileros-qhermandad-de-ntra-sra-del-rocio-de-dos-hermanas&Itemid=92

 

 

 

Cortegana, de la naciente del río Chanza hasta la Romería de San Antonio

Cortegana es un municipio español de la provincia de Huelva, en la Sierra de Aracena (Andalucía). Tiene una extensión de 174 km², y en 2010 contaba con 4.939 habitantes. Los historiadores locales dicen que Cortegana fue fundada por los turdetanos, y que en la loma que une los cerros del Castillo y Santa Bárbara se asentó la Corticata romana. Tras ser conquistada a los árabes por la Orden Hospitalaria, fue portuguesa e cambiaría de manos sucesivas veces en el conflicto del Algarve, al que el Tratado de Badajoz puso fin. En la villa nace el río Chanza, en la calle del mismo nombre, que recorre los términos de Aroche y Rosal de la Frontera, delimita la frontera  hispano-portuguesa, y va ofrecer sus aguas al río Guadiana. Cortegana ha estado ligada a la agricultura y a la ganadería, pero da industria del corcho fue de gran importancia para el desarrollo de la economía hasta los años 30. La industria proporcionó la creación de una clase de obreros politizados, fundadores de la Sociedad Gran Casino. La autoría del edificio corresponde al arquitecto de referencia en toda la provincia de Huelva, José María Pérez Carasa, y Arcadio Cantos Marín fue el fundador de la Sociedad. En la artesanía local encontramos una diversidad de artes como la orfebrería, los encajes de bolillos, los bordados, la cerámica, antiguos talleres de forja, que atestan el pasado de una comarca prospera, que fue destruida por la represión franquista en la guerra civil (1936-1939). En la actualidad es la industria del cerdo ibérico que se ha desarrollado en Cortegana, con productos exportados a todo el mundo, e el turismo también juega un papel importante en la economía local. Las fiestas religiosas son la Semana Santa, la Romería de San Antonio de Padua y en septiembre las fiestas patronales en honor de Nuestra Señora de la Piedad. En agosto se celebran las Jornadas Medievales en Cortegana, que están integradas en una red de municipios, con Serpa y Castro Marim (Portugal). El Castillo sirve de escenario principal, donde todo el pueblo se traslada a la época medieval; unos días en los que doncellas y juglares recorren las calles de la localidad. Para más información visita http://www.medievalescortegana.org.

   Sociedad Gran Casino

Naciente del río Chanza    Sociedad Gran Casino

La Romería en honor a San Antonio de Padua es la fiesta religiosa-popular más importante, y se celebró en los días 14 y 15 de junio. Aunque no exista documentación relativa a la primera romería de Cortegana, podemos afirmar que fue en el año de 1946 que el reverendo D. Amadeo Piña Mateos, reuniéndose con diferentes vecinos, acordaron inventar una romería. La primera reunión tuvo lugar en el bar de Juan Esteban Ruiz Capitán y estaba D. Ezequiel Mozo Bravo, Notario, nacido en Alamillo (Ciudad Real) lugar de donde San Antonio de Padua era su patrón. En una reunión acordaron que teniendo en cuenta que en las iglesias de Cortegana se encontraban imagines de San Antonio de Padua y que la fecha de su onomástica no coincidía con ninguna festividad de los pueblos cercanos, San Antonio seria el patrón de la romería. Solucionada la fecha y el patrón, solo faltaba un lugar donde la celebrar, que no podía ser muy apartado del pueblo, tenía de tener agua, ser sombreado y tener una ermita. Así, la aldea de La Corte, a 6 Km de Cortegana cumplía los requisitos ideales para celebrar la romería. En la semana precedente a la Romería, se celebra el Pregón en la carpa instalada por el Ayuntamiento de Cortegana en la Plaza del Prado. En los días 11, 12 y 13 se celebrarán los tradicionales Triduos en honor a San Antonio, en la Iglesia Parroquial del Divino Salvador. Por la tarde del día 13 oímos los tambores e las flautas de Félix y Samuel, de Almonaster la Real, tocando en la Plaza del Divino Salvador. En la Iglesia, los niños recibían la medalla de San Antonio, en un ritual de integración. A la finalización del Triduo, por la noche, se procedió al Traslado del Estandarte a la Ermita del Calvario.

(…)
San Antonio tu medalla
La tengo en mi cabecera
Para no sentirme solo
De mi sueño es compañera
(…)

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En la mañana de 14 de junio, en la Capilla del Calvario, se reunirán cientos de caballistas, carrozas y romeros para iniciaren el camino hasta La Corte. En la salida oímos los tamborileros Félix y su aluno Samuel, de Almonaster la Real, tocando “Salve Rocinera”, e el “El camino”. Para el antropólogo Salvador Rodríguez Becerra: “La Iglesia ha pensado algunas veces que la religiosidad popular era algo con lo que había que convivir, pero que era ignorante y estaba equivocada y que con el tiempo y una caña (…) El pueblo acude a lo sagrado cuando lo necesita, para pedir y, por supuesto, ofrecer algo a cambio… Son relaciones muy parecidas a las humanas. En Andalucía la gente es muy devota, pero no fieles dispuestos a obedecer, la promesa es lo que caracteriza a la religiosidad popular”. Ver más de la entrevista, “Tener una imagen de devoción popular es una importante fuente de ingresos”, en: http://www.diariodesevilla.es/article/sevilla/1770310/tener/una/imagen/devocion/popular/es/una/importante/fuente/ingresos.html

 

El camino hasta La Corte se hace en carrozas, a caballo, o a pie, de acordó con las posibilidades económicas y las promesas de cada uno. En las carrozas cantase sevillanas y fandangos, en una profunda exaltación lúdica. La romería es un tiempo de fiesta, de compartir comida y bebida, de reencuentro de amigos. El camino tiene dos parajes, una en “El Molino”, otra en “El Palomar”, adonde se canta y baila. Todavía, para algunos, hay un primer paraje para evocar un amigo que partió.

(…)
Tiene mi pueblo un camino
Donde expresa su alegría
Con San Antonio Divino
Cuando va de romería
(…)

 

Coplas de Rafael Vázquez “Campuzano” 2014

 

Romería de San Mamés, una devoción popular transfronteriza en Aroche (Huelva)

El culto a San Mamés en la Península Ibérica es muy antiguo, y muy difundido en los signos XI, XII y XIII, principalmente en las zonas donde el pastoreo de ganado bovino y ovino era más intenso. La advocación a este santo es muy común en Portugal, Asturias, Cantabria, Castilla-León, Aragón o La Rioja, donde no sólo hay localidades con esta denominación sino también numerosas iglesias, ermitas, romerías y ferias. La construcción de la ermita de San Mamés en Aroche coincide con la venida de los ganados del Real y Honrado concejo de la Mesta, siglo XIII, “y es comprensible que un lugar tan inhóspito los pastores necesitaran un espacio donde dirigir sus oraciones pidiendo protección para su personas y ganados” (Rodríguez Guillén, 2004: 170). La Mesta era una asociación de ganaderos que regulaba la trashumancia de ganado, y estaba controlada por la nobleza castellana. La lana era el principal producto de exportación que se dirigía a Flandes (Bélgica y Holanda). “Los desplazamientos y estancias hicieron que los pastores mesteños dejaran a los arochenos como herencia parte de sus costumbres y tradiciones, como fue el caso de la veneración a santos norteños, uno de los cuales, San Mamés, se ha convertido con el tiempo en patrón de Aroche. Esta forma de vida les llevó a elegir una iconografía próxima al mundo ganadero, pues al Santo arocheno además del misal le acompañan un cayado de pastor. Dentro de la dehesa de propios de Cortedelana, cercana al cerro de La Charneca, construyeron una ermita en honor a San Mamés, quedando hoy solamente sus ruinas. Era una edificación pequeña, de tradición románica, construida con materiales de los alrededores, de una sola nave y abside, cubriéndose con la característica teja árabe” (Félix Soria , inédito). Antonio Rodríguez Guillén (2003) afirma que “a mediados del siglo XVII, en 1621, era visitada por Rodrigo Caro, que dice que estaba “situada en el actual término de Rosal de la Frontera, próxima a la de San Isidro, en lo alto de un cerro conocido documentalmente como “Llano del Cabezo”. (…) Entre 1725 y 1728 se realizaron obras pidiendo dinero en las villas de Aroche y Santa Bárbara y en la portuguesa de Serpa, donde la devoción al Santo era grande. En el 13 de Julio de 1749 Don Francisco de Melo (Conde de Ficalho), dona 3000 ladrillos y 20 cahices de cal, para la restauración que se está realizando, y es una prueba de la devoción que se le tiene al Santo al otro lado de la frontera” (2004: 172). La fiesta duraba tres días y se celebraba por la Pascua de Pentecostés, teniendo un ámbito transfronterizo al reunir a los vecinos de poblaciones como Aroche, Santa Bárbara de Casa, Cabezas Rubias, Rosal de la Frontera y Vila Verde de Ficalho. “A la solemne misa le seguía la procesión por los alrededores de la ermita de una imagen de San Mamés de estilo románico y actividades lúdicas como la comida de hermandad, bailes de danzas, mascaradas, fuegos artificiales y capeas de toros” (en Félix Sancha Soria: “90 años de la Hermandad de San Mamés”).

Las romerías son rituales festivos celebrados en lugares rústicos cuyo potencial performativo se manifiesta mediante rituales y símbolos. “Como otros tipos de fiestas, desempeñan funciones religiosas y lúdicas, pero también cívicas o políticas, ya que suscitan sentimientos de pertenencia e identidad grupal, local y nacional” (Homobono Martínez 2012: 43). La romería de San Mamés es una peregrinación a la ermita, alejada del pueblo, una fiesta en el doble sentido litúrgico y festivo, de conmemoración religiosa y de reencuentro anual propicio para la celebración lúdica, turística y participativa; cuyas tres referencias fundamentales son los lugares de origen de los romeros; el camino, que requiere varias horas de viaje a pie y la ermita, así como la relación mágicoreligiosa con el Santo, de exaltación de la comunidad aronchera. La ermita, situada en la periferia del territorio comunitario, es el polo alternativo del universo sagrado popular: “representa una religiosidad no institucional ni jerarquizada, que suscita la desconfianza de la autoridad eclesiástica”. Es en torno a ermitas y santuarios, donde se conservan con mayor vigencia las creencias populares y tiene lugar todo un sistema de rituales colectivos. Las romerías suscitan sentimientos de pertenencia e identidad cultural, funcionando como una construcción memorial e identitaria de la comunidad local rural y de otras lealtades más amplias (comarca, región y/o nación). Los rituales festivos son intrínsecamente polisémicos, y comprenden una pluralidad de significados no siempre iguales para todos los participantes, todavía las secuencias rituales y festivas que se suceden durante una romería no varían significativamente: subida, llegada, actos devocionales, liturgia, procesión, comensalismo, música y baile.

En las romerías la música tradicional posee una consistencia performativa intuitiva, cuando sus ejecutantes poseen una gramática e un sistema musical interiorizados que transmiten por medio de prácticas sociales. Es imposible disociar la música de la dimensión ritual de las romerías, especialmente significante en los procesos de producción e experiencia musical tradicional. Cualquier performance musical es un evento integrado y padronizado de un sistema de interacciones sociales, cuyo significado no puede ser entendido o analizado separado de las restantes componentes del sistema cultural (Blacking 1995: 226-227). La romería de San Mamés se ha convertido en un referente identitário, donde se ha reafirmado el sentido de comunidad de los arochenos y demostrado la hospitalidad para con los vecinos y forasteros. Todavía, los rituales estético-musicales, con grupos de tamborileros y de flamenco, siguen cada vez más el modelo institucionalizado y patrimonializado de la Romería de Rocío.

 

Referencias bibliograficas:
Blacking, John. 1995. “Music, Culture and Experience”, in Music, Culture & Experience, Chicago, University of Chicago Press, pp. 223-242

Homobono Martínez, José Ignacio. 2012. “Dimensiones nacionalitarias de las fiestas populares: lugares, símbolos y rituales políticos en las romerías vascas”, Zainak. 35: 43-95.

Rodríguez Guillén, Antonio. 2004, “La Mesta y el Gallego”, XVIII Jornadas del Patrimonio de la Comarca de la Sierra de Huelva, Diputación Provincial, Rosal de la Frontera, 153-189: http://www.federacionsierra.es/media/documentos/doc105.pdf

Sancha Soria, Félix (inédito) “La Mesta, El Gallego y la ermita de San Mamés”, en Historia de Aroche.

Félix Sancha Soria (2013) “90 años de la Hermandad de San Mamés”: http://www.huelvainformacion.es/article/opinion/1527107/anos/la/hermandad/san/mames.html

Talego Vázquez, Félix. 2003. “Significados simbólicos de las principales fiestas de Aroche”, VII Jornadas del Patrimonio de la Sierra de Huelva, Diputación Provincial, Rosal de la Frontera, 49-84: http://www.federacionsierra.es/media/documentos/doc337.pdf

 

Una romería transfronteriza en Rosal de la Frontera (Huelva)

Las relaciones en la frontera hispano-portuguesa fueran construidas al largo del proceso histórico, ancladas en interdependencias económicas, relaciones de parentesco y de amistad. En un catalogo turístico de la Junta de Andalucía podemos leer: “el carácter fronterizo de Rosal de la Frontera ha posibilitado una cierta identidad social y cultural con Portugal, cuya influencia se puede palpar en cada uno de los rincones de este tranquilo municipio”. En la actualidad, las relaciones fronterizas son mantenidas y re-significadas “desde arriba”, por intervención del poder político (local y supralocal), y “desde abajo”, por la interacción social entre las populaciones rayanas. En una zona rural desertificada de personas, las festividades y prácticas rituales fortalecen simbólicamente la continuidad de las relaciones entre los pueblos de Rosal e Vila Verde de Ficalho. La Romería de San Isidro Labrador, la más importante fiesta celebrada en Rosal de la Frontera, es una romería de carácter transfronterizo, invitando a la participación de la Comisión de Fiestas de Nuestra Señora das Pazes, de Vila Verde de Ficalho. Las relaciones entre los dos santos reflejan, simbólicamente, las relaciones de amistad entre dos pueblos vecinos, justificadas en diversas narrativas.

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Romería transfronteriza – Romería San Isidro El Labrador (2014)

El santo patrón, San Isidro, cuyo nombre era Isidro de Merlo y Quintana, nació en torno al 1082 en Madrid, durante el reinado de Alfonso VI, y falleció en el año 1130. Sus padres eran de clase humilde, y una de las primeras ocupaciones de Isidro fue la de pocero, o sea, cavar pozos, al servicio de la familia Vera, hasta que se trasladó a trabajar a Torrelaguna, donde contrajo matrimonio con María Toribia. Fruto de su matrimonio tuvieron un hijo llamado Illán. Al cabo de unos años la familia regresó a Madrid, para cuidar las tierras de la familia Vargas. En ese momento, cuando Isidro realizó las tareas de labrador, pasa a ser conocido popularmente como “Isidro labrador”. Las narrativas populares dicen que la providencia hacía que su cosecha siempre fuera muy grande, y que compartía lo que tenía con los hombres, las aves y otros animales. Debido a su labor, se le considera patrono de los que trabajan la tierra, siendo venerado en varios pueblos de España y América latina, con procesiones en las que se bendicen los campos. En Andalucía, Extremadura y Castilla-La Mancha se hacen romerías en honor al Santo, acompañado de carretas, caballos, carrozas y muchos romeros, como en Rosal de la Frontera. La fiesta, con sus rituales refuerza la identidad cultural de los rosaleños, siendo transmitida a las generaciones futuras.

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El sábado 17 de mayo los tamborileros “Los Bravo” condujeron la alegre diana por las calles rosaleñas, la Hermandad y los Mayordomos entrantes, los Hermanos “Charca. Posteriormente la Comisión de Fiestas de Nuestra Señora Das Paces y San Jorge (Vila Verde de Ficalho) fue recibida junto a la frontera, invitada a integrar el proceso ritual de la fiesta. En la iglesia, el Coro Romero dedicó un canto a la unión entre los dos pueblos, y en la calle se hicieron muchas saludaciones a los dos santos. La romería se celebra junto a la ribera del Alcalaboza, a unos ocho kilómetros del pueblo de Rosal, en dirección a Huelva. Allí se encuentra la Ermita de San Isidro y las casetas arregladas de acuerdo con la condición social de sus propietarios. La romería está integrada en el Plan Romero de la Junta de Andalucía, que garantiza la seguridad y el control del tráfico en la carretera. El programa de fiestas del domingo 18 de mayo, empezó con la Diana Romera interpretada por los tamborileros “Los Bravo”. Tras la misa romera, oficiada por el párroco polaco Tomász Paluch, y cantada por el Coro Romero, los Mayordomos, conocidos cariñosamente en el pueblo como “Los Charcas”: Manuel, Gloria, Mª Luisa y Carmen Romero, ofrecieron una comida a todos los participantes y visitantes, en la Casa de la Hermandad. Por la tarde, en torno a las 20.00 horas, se realizó la procesión sin párroco, del Santo Rosario en el recinto, con ofrendas florales y cantares a San Isidro. La romería proporciona un espacio e un tiempo de expresión y exaltación cultural, de reencuentro, compartido con familiares y amigos. La música y la danza están presentes en todos los rituales de la fiesta, y emergen con espontaneidad en el proceso de interacción social. Las voces del Coro Romero San Isidro acompañan la celebración de rituales religiosos. Los tamborileros conducen los desfiles ceremoniales, pero también están presentes en los momentos más lúdicos de la fiesta. Las dinámicas musicales de las gentes de todas las edades, añaden al ambiente festivo con sus tambores, cañas, panderetas, el cuerpo y la voz, cantando y bailando fandangos y sevillanas.

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El cante y el baile – Romería de San Isidro El Labrador (2014)

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Más allá del programa religioso-popular de la romería, fuimos testigos de un baptismo, en la ribera del Alcalaboza, muy característico de la romería de Rocío. En este ceremonial, paródico, Juan Antonio Fuentes, nacido en Huelva en 1962, fue simbólicamente integrado en la comunidad romera rosaleña, a que pertenece su mujer, María Isabel. El matrimonio tiene dos hijas, y viven en Huelva, aunque Isabel conserve su casa en Rosal. Las fiestas sirven para la reunión familiar, para compartir identidades e momentos lúdicos, repletos de afectos y significados.

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Baptismo en la Romería de San Isidro El Labrador (2014)

 

O tamborileiro em Vila Verde de Ficalho (Baixo Alentejo)

O tamborileiro existe desde tempos remotos, nos mais diversos países e regiões. A sua função festiva perdura  em várias zonas da Espanha (Extremadura e Andalucía) e da França. Em Portugal, o tamborileiro permanece em duas zonas fronteiriças distintas: nas aldeias raianas do distrito de Miranda do Douro (Trás-os-Montes) e do distrito de Beja (Baixo Alentejo). O tamboril e a flauta, tocados pelo tamborileiro, formam um conjunto instrumental unitário e coerente, bastante raro na década de 60, quando Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira organizaram a colecção de instrumentos populares portugueses. No trabalho de pesquisa encontraram tamborileiros nas aldeias raianas de Terras de Miranda, com funções de carácter cerimonial, profanas e lúdicas, e nas aldeias raianas do Baixo Alentejo, com funções cerimoniais em festas religiosas patronais e ritualizadas (em Instrumentos Musicais Populares Portugueses, p.259). Na década de 70 Michel Giacometti revisitou os tamborileiros alentejanos de Vila Verde de Ficalho, Santo Aleixo da Restauração e Barrancos, anotando: “o tamborileiro pode ser definido como um instrumentista popular que toca simultaneamente um tamboril e uma flauta, estando a melodia a cargo da flauta e sendo o acompanhamento executado no tamboril com uma única baqueta” (guião do documentário “O Povo que Canta” 6.º episódio, dedicado aos tamborileiros do Baixo Alentejo, emitido na RTP a 18 de Outubro de 1971 (em http://www.michelgiacometti.com/pdf/volume_2.pdf).

Em Vila Verde de Ficalho  o tamborileiro participa no peditório para a Festa da Senhora das Pazes, a 15 de Agosto, acompanhando os Festeiros que transportam o Guião, percorrendo as ruas da vila.

tamborileiro de Ficalho, 2013 peditório de santa Maria

No dia da festa, pela manhã, o tamborileiro tocava a “Alvorada”, alternando o seu toque com a música da banda filarmónica convidada para abrilhantar as festividades. De tarde, o tamborileiro acompanhava a procissão ao lado do Guião e atrás da cruz. Na obra Monografia de Vila Verde de Ficalho, Francisco Valente Machado escreveu: “o tamboril, de som monótono mas bem conhecido, era tocado, simultaneamente com a respectiva gaita, por ocasião da Festa das Pazes, ao acompanhar o guião nas cerimónias, como nos momentos em que ele parecia em público durante os peditórios que todos os anos se fazem a favor da mesma festa. Deixou fama, como tamborileiro, o velho Lança a quem sucedeu o seu filho, César Lança, que também foi bom, mas sem ter igualado os merecimentos paternos neste domínio” (p. 288).  Em Ficalho o tamborileiro tinha uma função cerimonial e lúdica, como testemunham os temas musicais “Alvorada”, “Procissão” e “Corridinho” gravados em 1961. Cada tema correspondia a diferentes momentos da sua participação na Festa, com  uma fórmula ritual diferenciada da música tradicional da região. Nos arquivos sonoros de Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira (em: http://alfarrabio.di.uminho.pt/arqevo/arqetnoevo.html), encontramos registos destes temas interpretados pelos tamborileiros Romão Estadas e Manuel José Celeiro, gravados na Festa da Senhora das Pazes de 1961.

O tamborileiro em Vila Verde de Ficalho perdeu algumas funções rituais, mas continua a acompanhar o Guião da Senhora das Pazes e S. Jorge no peditório, e no agradecimento dos Santos à população, assinalando o início das festividades no fim-de-semana de Pascoela.

O tamborileiro de 2014 foi o festeiro Francisco Galhoz, nascido em Santo Aleixo da Restauração em 1969. Na infância acompanhava o ritual do tamborileiro de Santo Aleixo, que incorporou como prática musical e performativa. Em 1991 fixou-se em Vila Verde de Ficalho, terra natal da mãe, e aí casou e construiu a sua vida. Ao longo dos anos desempenhou diversas atividades, atualmente é barbeiro de profissão e faz parte do Grupo Coral “Os Arraianos de Ficalho”. Como membro de diversas comissões de festas assumiu a função de tamborileiro, de improviso, realizando um sonho de criança. Os mais idosos recordam os atributos dos antigos tamborileiros, e não reconhecem qualidades nos jovens que, de forma espontânea, asseguram a continuidade de uma prática ritual com significado.

 

 

Uma festa transfronteiriça em Vila Verde de Ficalho (Baixo Alentejo)

A Festa da Senhora das Pazes remonta historicamente ao séc. XVIII, segundo o estudioso local Francisco Valente Machado, que atribui a iniciativa à 2ª Condessa de Ficalho, na sequência de uma contenda entre os seus filhos e os fidalgos de Aroche. A Ermida da Senhora das Pazes está identificada como arquitectura religiosa do séc. XVI, manuelina, barroca, popular, lugar de peregrinação característica da popularização dos modelos manuelinos. A construção e localização junto ao rio Chança, que delimita a fronteira luso-espanhola, é justificada na “Lenda da Nossa Senhora das Pazes” que permanece na memória colectiva: “no tempo da guerra de Espanha com Portugal, houve uma grande batalha em Ficalho e durante a batalha apareceu uma Santa no cimo de uma azinheira e acabou com a guerra. Então nesse sítio foi construída uma capela a capela da Nossa Senhora das Pazes. Ainda hoje é a padroeira da povoação e a capela está localizada no lugar onde supostamente apareceu a Santa”.

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A história da Senhora das Pazes cristaliza-se num mito fundador da comunidade fronteiriça de Vila Verde de Ficalho. Para o antropólogo William Kavanagh, “las fronteras constituyen espacios – y lugares – de producción cultural, donde se crean, y a la vez se destruyen, diversos significados. La frontera no es una entidad estática, sino que es algo que constantemente se construye (y reconstruye) de diversas maneras” (Kavanagh et al, 2009: 153). As festividades servem para reconstruir e resignificar o lugar da fronteira, desarticulado pelas transformações no mundo rural, pelos  fluxos migratórios e pela abolição das linhas divisórias, renovando profundas e duradouras continuidades culturais. A aparição de uma figura sobrenatural, que intervém simbolicamente na vida das comunidades de Ficalho e Rosal de la Frontera, permite a incorporação de valores transmitidos oralmente, de geração em geração, por meio da memória colectiva e de práticas rituais e performativas. Os rituais e símbolos festivos dão sentido e significado à vida das pessoas, perpetuando e reativando ciclicamente o relato histórico do qual são o reflexo.

A Festa é organizada por uma Comissão, composta por pessoas de diferentes géneros e idades, nomeados pelos festeiros cessantes, entre os quais se distribuem tarefas e responsabilidades de acordo com as suas competências. Ao grupo da Comissão de Festas compete assegurar a continuidade de uma tradição religiosa-popular, por meio de diversas iniciativas, ao longo do ano, que permitam custear o evento. A romaria e o arraial que se realizavam, outrora, na segunda-feira de Pascoela, exigiram uma recalendarização ajustada à realidade de uma comunidade migrada.  A festa religiosa e popular no campo, em torno da Ermida, reúne um conjunto de símbolos e rituais que reforçam as relações de vizinhança. A música e a dança estão presentes no arraial, como expressão da cultura popular de ambos os lados da fronteira, como as sevillanas entoadas de improviso pelos vizinhos de Rosal de la Frontera.

Como nos diz John Blacking, (1979) a música e a dança encontram nas festas o tempo e o espaço privilegiado para a “invenção e reinvenção da cultura através da interacção social”, como campo criador de significados. O cante alentejano, as sevillanas, o rebombar dos bombos, e as modas para bailar interpretadas por um grupo de música tradicional de Vale de Vargo, são modelos de transmissão e construção identitária que encontramos nesta festa transfronteiriça.