O tamborileiro em Vila Verde de Ficalho (Baixo Alentejo)

O tamborileiro existe desde tempos remotos, nos mais diversos países e regiões. A sua função festiva perdura  em várias zonas da Espanha (Extremadura e Andalucía) e da França. Em Portugal, o tamborileiro permanece em duas zonas fronteiriças distintas: nas aldeias raianas do distrito de Miranda do Douro (Trás-os-Montes) e do distrito de Beja (Baixo Alentejo). O tamboril e a flauta, tocados pelo tamborileiro, formam um conjunto instrumental unitário e coerente, bastante raro na década de 60, quando Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira organizaram a colecção de instrumentos populares portugueses. No trabalho de pesquisa encontraram tamborileiros nas aldeias raianas de Terras de Miranda, com funções de carácter cerimonial, profanas e lúdicas, e nas aldeias raianas do Baixo Alentejo, com funções cerimoniais em festas religiosas patronais e ritualizadas (em Instrumentos Musicais Populares Portugueses, p.259). Na década de 70 Michel Giacometti revisitou os tamborileiros alentejanos de Vila Verde de Ficalho, Santo Aleixo da Restauração e Barrancos, anotando: “o tamborileiro pode ser definido como um instrumentista popular que toca simultaneamente um tamboril e uma flauta, estando a melodia a cargo da flauta e sendo o acompanhamento executado no tamboril com uma única baqueta” (guião do documentário “O Povo que Canta” 6.º episódio, dedicado aos tamborileiros do Baixo Alentejo, emitido na RTP a 18 de Outubro de 1971 (em http://www.michelgiacometti.com/pdf/volume_2.pdf).

Em Vila Verde de Ficalho  o tamborileiro participa no peditório para a Festa da Senhora das Pazes, a 15 de Agosto, acompanhando os Festeiros que transportam o Guião, percorrendo as ruas da vila.

tamborileiro de Ficalho, 2013 peditório de santa Maria

No dia da festa, pela manhã, o tamborileiro tocava a “Alvorada”, alternando o seu toque com a música da banda filarmónica convidada para abrilhantar as festividades. De tarde, o tamborileiro acompanhava a procissão ao lado do Guião e atrás da cruz. Na obra Monografia de Vila Verde de Ficalho, Francisco Valente Machado escreveu: “o tamboril, de som monótono mas bem conhecido, era tocado, simultaneamente com a respectiva gaita, por ocasião da Festa das Pazes, ao acompanhar o guião nas cerimónias, como nos momentos em que ele parecia em público durante os peditórios que todos os anos se fazem a favor da mesma festa. Deixou fama, como tamborileiro, o velho Lança a quem sucedeu o seu filho, César Lança, que também foi bom, mas sem ter igualado os merecimentos paternos neste domínio” (p. 288).  Em Ficalho o tamborileiro tinha uma função cerimonial e lúdica, como testemunham os temas musicais “Alvorada”, “Procissão” e “Corridinho” gravados em 1961. Cada tema correspondia a diferentes momentos da sua participação na Festa, com  uma fórmula ritual diferenciada da música tradicional da região. Nos arquivos sonoros de Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira (em: http://alfarrabio.di.uminho.pt/arqevo/arqetnoevo.html), encontramos registos destes temas interpretados pelos tamborileiros Romão Estadas e Manuel José Celeiro, gravados na Festa da Senhora das Pazes de 1961.

O tamborileiro em Vila Verde de Ficalho perdeu algumas funções rituais, mas continua a acompanhar o Guião da Senhora das Pazes e S. Jorge no peditório, e no agradecimento dos Santos à população, assinalando o início das festividades no fim-de-semana de Pascoela.

O tamborileiro de 2014 foi o festeiro Francisco Galhoz, nascido em Santo Aleixo da Restauração em 1969. Na infância acompanhava o ritual do tamborileiro de Santo Aleixo, que incorporou como prática musical e performativa. Em 1991 fixou-se em Vila Verde de Ficalho, terra natal da mãe, e aí casou e construiu a sua vida. Ao longo dos anos desempenhou diversas atividades, atualmente é barbeiro de profissão e faz parte do Grupo Coral “Os Arraianos de Ficalho”. Como membro de diversas comissões de festas assumiu a função de tamborileiro, de improviso, realizando um sonho de criança. Os mais idosos recordam os atributos dos antigos tamborileiros, e não reconhecem qualidades nos jovens que, de forma espontânea, asseguram a continuidade de uma prática ritual com significado.

 

 

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